Seja BEM-VINDO ao blogue da Espaço e Memória - Associação Cultural de Oeiras.
Aqui encontrará informação regular e atempada sobre as actividades e eventos, realizados e a realizar, da nossa/sua Associação, assim como outros eventos relacionados com Oeiras, a sua história, o seu património, a sua herança cultural, e a sua envolvente. Neste último sentido, referimos também eventos culturais realizados por outras entidades e instituições noutras localidades.
Contamos com a sua presença regular neste espaço. Contamos CONSIGO!
VOLTE SEMPRE!

sábado, 10 de abril de 2010

Porque quer a Ministra demitir o Director?



Do nosso associado e amigo José d'Encarnação [ Notas & Comentários - aqui ] recebemos:


É um clarividente testemunho longo, a historiar o que se passou e está a passar; mas, Amiga(o), eu cá acho que vale a pena ler até final! Para se compreender como estamos metidos... numa camisa de onze varas!


J. d'E.


---------------------- Original Message -----


Porque quer a Ministra da Cultura demitir o Director do Museu Nacional de Arqueologia?


Há muitos anos atrás, uma avisada dirigente do Ministério da Cultura soube que o “quase” quarteirão das antigas Oficinas Gerais do Exército (mesmo em frente à estação de comboios de Belém) iria ser alienado. Fazendo uso de um excelente sentido de oportunidade, conseguiu que a aquisição fosse concretizada, impedindo que aquele espaço de excelente localização entrasse no usual jogo especulativo urbanístico e reservando-o para uma desejada e necessária expansão do Museu dos Coches, situado logo ali ao lado. Mas as coisas são como são, e como por magia surge a intenção de construção de um novo museu naquele espaço, libertando o antigo picadeiro real para outra utilização: aí se instalaria a Escola Portuguesa de Arte Equestre Portuguesa (actualmente sediada no Palácio Nacional de Queluz), que utilizando o antigo picadeiro como área de exposição e demonstração para os potenciais clientes ganharia uma “loja” no melhor espaço turístico da capital, talvez do país. Foram várias, ao mais alto nível e até um momento recente, as tentativas governamentais para concretizar esta agressiva operação comercial, que se traduziria na destruição de um dos melhores, senão o melhor, núcleo museológico histórico português, no qual um extraordinário acervo móvel se apresenta ao público fantasticamente integrado num belíssimo e adequado exemplar de património construído (talvez por isto o mais visitado museu do país…). Felizmente e após feroz e unânime oposição de museólogos e técnicos de património e como o apoio (discreto mas eficaz) do Presidente da República (pelos méritos dos argumentos e talvez por não gostar da vizinhança em perspectiva), lá foi reposta alguma racionalidade no processo e o Museu nos Coches não sairá do seu edifício, sendo “ampliado” para o novo módulo em fase de construção.


Entretanto, o espaço das antigas Oficinas Gerais do Exército, vago durante mais de 10 anos, foi sendo ocupado por serviços vários do Ministério da Cultura sempre a braços com falta de instalações. O Instituto Português de Arqueologia (criado em 1997) ocupou grande parte dos edifícios com infra-estruturas várias, algumas abertas ao público e à comunidade científica (biblioteca, centro de investigação, laboratórios, arquivo…). Durante muito tempo, tudo correu bem, pois a história dos cavalinhos era, mais ou menos, uma quimera e dinheiro para construir um museu nacional é algo que em Portugal é mais raro que os eclipses solares... Até que, após a criação do Casino de Lisboa, surge um fundo público (contrapartida do mau vício) e é tomada a decisão de o utilizar na construção do novo Museu dos Coches; tudo isto à responsabilidade do Ministério da Economia. Ora, Ministério da Economia não quer saber de museus, património, serviços públicos a funcionar, ou cultura para nada. Nem sequer quer saber de cavalos. Se há museu para construir e dinheiro, constrói-se e pronto! Por isso, manda o Ministério da Cultura libertar o quarteirão de Belém; como? não lhe interessa nada, se não têm instalações arranjem-nas. O Ministério da Cultura faz o que sabe fazer melhor: engonha. E ficam neste “despeja/engonha” durante algum tempo, até porque teve que ser: houve eleições pelo meio. No entretanto, entre outras, surge uma possibilidade: os serviços da Arqueologia poderiam ir para a Cordoaria Nacional que é ali mesmo ao lado e está quase vazia. Só que a Cordoaria pertence à Marinha e eis que entra outro ministério ao barulho. Não há espiga: forma-se uma comissão e faz-se um protocolo trilateral! Até é giro e um bom exemplo de transversalidade na cooperação governamental. Bom, mas havia que dar qualquer coisa à Marinha…


E é assim que, mais uma vez, renasce das cinzas e sai da gaveta dos projectos abandonados por serem maus para o interesse público, a exigência de cedência dos Jerónimos para expansão do Museu da Marinha. E discutiram os senhores, bom também não pode ser assim, é que está lá (e parece que há muito tempo) o Museu Nacional de Arqueologia. E o Museu até é um bom museu, é o segundo mais visitado do país (ele há coincidências). E devia lá haver um senhor, com melhores artes de negociação, que exclama: mas qual é o problema, então juntamos na Cordoaria os serviços da Arqueologia e o Museu Nacional de Arqueologia, até ficam bem todos juntos (6 meses deve chegar para a mudança). Mas havia um problema, muito comum nestes casos e não, não era o facto da Cordoaria ser um Monumento Nacional e não uma qualquer armazém devoluto que se pudesse “manusear” de qualquer maneira, para um qualquer efeito. Não, o problema era o dinheiro: não havia verba para adaptar a Cordoaria para receber os serviços de arqueologia (embora estes se contentem com qualquer barraca, como se veio a provar), nem muito menos para o Museu Nacional de Arqueologia. É uma chatice, todos preferiam resolver a coisa logo ali, mas não foi possível. A Marinha desbloqueou o impasse: aceitamos, como garantia e prova de boa fé e vontade (é preciso provas? então não são todos amigos?),

JÁ, a Torre Oca, nos Jerónimos, e entregamos a chave da Cordoaria.


Neste momento, há que descer do patamar da loucura e colocar um ponto de ordem e verdade, nesta triste história que demonstra o que de pior há no Estado e Governo Português. Os cavalinhos não vieram para Belém. O Museu dos Coches não irá sair do Picadeiro Real. O seu novo módulo não irá inaugurar no centenário da república. As demolições decorrem ainda; a construção virá a seguir. Isto é, virá, ou não, pois entretanto temos o contexto da crise e sabemos, todos sabemos, que o lucro do jogo tem sofrido severas quebras… E se não houver verba suficiente?

Os serviços de arqueologia já não estão lá. Não se fizeram quaisquer obras de adaptação da Cordoaria para os receber: foram mudados à força e à bruta para corredores do Palácio da Ajuda, para instalações sem qualquer condição, para um armazém no MARL que custa fortuna em aluguer… A biblioteca permanece fechada, o arquivo inacessível, os laboratórios já não existem, o centro de investigação foi completamente destroçado. Dizem os responsáveis que o seu destino final será a Cordoaria, quando se fizerem as obras (ou quando a Marinha entregar a chave).

E porque não entrega a Marinha a dita Chave? Porque o Director do Museu Nacional de Arqueologia não entrega a Torre Oca. E porque é este Director tão empedernido?


Porque felizmente consegue manter a sanidade mental e tem consciência da sua responsabilidade enquanto servidor do interesse público e Director de um dos museus mais importantes de Portugal. Prometeram-lhe que a Cordoaria seria reservada na íntegra para o Museu, mas ao mesmo tempo afirmam que irão para lá outros serviços. Garantiram a realização de estudos (geológicos, geotécnicos, hidrológicos, sísmicos, etc) que assegurassem o que todos os anteriormente realizados negavam: o local é seguro para colocar tesouros nacionais e tão valioso e insubstituível património; mas não há qualquer estudo, há só manobras de diversão nos jornais: a Junqueira é igual a Belém. Garantiram-lhe que aos estudos se seguiria um projecto, de excelência (menos não se admite que simultaneamente permitisse o funcionamento do Museu em condições de modernidade e assegurasse a salvaguarda daquele edifício fabuloso e desconhecido dos portugueses, a Cordoaria; mas, não há projecto nenhum. [E aqui eu coloco um parênteses: onde está financiamento para este projecto e sua execução? Onde está a rubrica no PIDDAC, o projecto no QREN? Onde está a avolumada verba necessária no orçamento da Cultura. Lembro que o Ministério da Cultura anda há 10 anos a construir o Museu do Côa e não o consegue inaugurar. Está quase construído, mas o Ministério não o consegue por a funcionar: não sabe como e não tem dinheiro, apesar de se tratar de Património Mundial. Haverá um milagre para financiar o projecto para o novo Museu Nacional de Arqueologia?].


A Ministra da Cultura também garantiu que entretanto o Museu não seria destituído de qualquer condição de funcionamento, afinal elas já são muito escassas relativamente às necessidades; mas exige a entrega da Torre Oca. E sem a Torre Oca a Marinha não entra na brincadeira. O processo, tal como está tão precariamente desenhado, para além de incerto, será necessariamente arrastado no tempo. Quem conhece e frequenta o Museu Nacional de Arqueologia sabe que a Torre Oca é essencial ao seu funcionamento, como essenciais são todos os espaços que lhe estão afectos. Que sentido faz roubar ao museu um espaço que lhe pertence, quando os motivos longínquos e próximos para esta alienação são tão escusos e tão destituídos de nobreza ou racionalidade? Quando o mais provável, infelizmente, é que o Museu Nacional de Arqueologia continue nos Jerónimos? O Director do MNA recusa-se a entregar a Torre Oca e está carregado de razão. Ao contrário do que alguns pensam, a primeira obrigação de um director de museu é defender o Património à sua guarda, não é cumprir ordens.

Como agravante surge agora a ideia de colocar nos Jerónimos um outro museu, o museu da viagem. Isto é uma praga! Já tivemos um Secretário de Estado que queria o museu da imaginação, uma ministra que queria o museu da língua, agora é o da viagem.

Deixem-se de divagações megalómanas! Os nossos fantásticos museus estão à míngua, à beira da ruptura de funcionamento, e a ministra da cultura está focada num objectivo de vaidade pessoal, em deixar o seu pequeno legado?


A Ministra da Cultura quer demitir o Director do MNA porque o Estado e o Governo não perceberam ainda que o nosso maior recurso nacional é a nossa “paisagem cultural” e que por isso, o Património Cultural é um importante factor de desenvolvimento económico, como aliás crescentemente vem sendo afirmado por economistas idóneos e de quadrantes variados. Porque, tragicamente, não há política museológica neste país e isso é uma vergonha. Porque os nossos governantes por vezes parecem crianças a brincar no recreio, mas infelizmente brincam como o interesse público. Porque o Ministério da Cultura não tem uma política séria de gestão de espaços e avaliação de necessidades dos seus serviços. Porque, há interesses económicos fortes e bem relacionados que interferem com a esfera governamental com a maior das facilidades. Porque parece que caiu uma maldição sobre a Arqueologia Nacional; é muita coincidência, para não ser deliberado: existem interesses fortes dentro do Estado e fora do Estado, mas agindo por intermédio dele que querem anular os avanços conseguidos nos últimos 15 anos na salvaguarda do Património Arqueológico.

A Ministra da Cultura quer demitir o Director do MNA, porque é uma má ministra. A Ministra da Cultura quer demitir o Director do MNA porque ele é um excelente director de museu.


Jacinta Bugalhão

Arqueóloga


visite o sítio internet do Museu Nacional de Arqueologia [ aqui ]


imagem de abertura do sítio internet Museu Nacional de Arqueologia [ aqui ] a quem agradecemos.


Sem comentários: