O Prof. Doutor José d'Encarnação é nosso sócio.
Cruzeiro - a demolir?
[ arquitectura ]
Monte Estoril
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Quando tanta ‘coisa’ há urgente para demolir, por vezes as prioridades – sabe-se lá porquê!... – incidem sobre alvo porventura errado…
O Cruzeiro, no Monte Estoril, seguramente o primeiro centro comercial a ser construído em Portugal, parece que vai ser alvo do camartelo para, em seu lugar, surgir algo que ainda não se sabe exactamente o que é, mas… condomínio privado será hipótese válida, nos tempos que correm, já se vê.
Que me seja permitido, pois, anexar o texto que, em tempos, redigi sobre este imóvel singular, texto, aliás, que foi premiado pela então Associação Comercial de Cascais.
Permita-me, pois, caro Colega, que lhe dê esta notícia desde já, porque, nestas ‘coisas’, há sempre um amanhã que vira ontem!
Mui cordialmente
J. d’E.
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Prof. Doutor José d'Encarnação
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Anexo:
CRUZEIRO
Um sonho (quase) desfeito
Constrange-nos. Um edifício assim, imponente, com dois belvederes lá em cima – que vista soberba se deve alcançar dali!… – preparado para receber multidões e está naquele enorme vazio, numa frieza de arrepiar e, se adregas subir a ampla escadaria de mármore até ao cimo, quase ao lusco-fusco, até a solidão te oprime o peito. E há uma nostalgia no ar! E uma pergunta a martelar-nos: «Porquê? Que maldição caiu sobre ele, não nos dirão? Não poderia a Câmara pegar nisto?»…
Um insondável mistério que, de há anos a esta parte (muitos!), paira sobre o edifício do Cruzeiro, ali ao cimo da Av. Fausto de Figueiredo, no Monte Estoril.
Postados à entrada do Mirita Casimiro, é que nos damos conta do gigante, ora guardado por dois plátanos grandes. Sente-se alguma vida em baixo. Pessoas passam no pórtico – que há lojas, há a farmácia (que até, curiosamente, também tem secção de dietética e de plantas medicinais… e nome à maneira antiga!…), há pronto-a-vestir, há restaurantes («Há cozido») e cafés… Vida, enfim!… No restaurante-pastelaria do ângulo, um painel de azulejo ostenta grande nau de cinco panos redondos enfunados e gaivotas derredor, numa ânsia de empreender viagem. Mas… para onde, senhores? Teremos «cruzeiro» para algum sítio? Quem pegará no leme do barco?…
O primeiro centro comercial
Lá está, para que conste, logo à entrada, feita de pedras, a data da construção: 1947. Pois é: ainda se não implantara a moda (ou mania?) dos centros comerciais e este foi erguido assim. O primeiro! Para ter muitas lojas, para ter muita gente (há setas no chão das entradas, a indicar que se deve circular pela direita!…), a escadaria é larguíssima (e as aranhas tecem teias à vontade), os corredores amplos, de calçada à portuguesa e com franjas laterais como se alguém ali, de porta a porta, houvesse estendido tapeçaria para todos; as varandas espaçosas!… O sítio ideal para, aos domingos (nessa altura, ainda não havia semana inglesa e trabalhava-se ao sábado), sobretudo nos domingos de Outono e de Inverno, ali se gozar das vistas e se fazerem algumas compras – porque não? – e marcar encontro com os amigos, vendo o mar…
Arte nova
Merecem atenção as duas portas, a que dá para a Av. Nuno Álvares Pereira, que é a principal, e a lateral, para a Rua do Viveiro. De caixilharia singela, ostentam na parte superior a palavra CRUZEIRO, uma letra prateada em cada «casa», como se de vitral se tratasse. Na lateral, já o CRUZEIRO está quase a desaparecer; mas na principal vê-se bem. E lá está, plantada em grande círculo azul, uma estrela de quatro pontas – será ela o cruzeiro?
Vale a pena dar uma olhadela ao chão do pórtico. Diríamos arte surrealista: as cabeças estilizadas são antropomórficas, mas não desdenharíamos em imaginar alienígenas, seres que doutros «cruzeiros» ali vieram poisar; os olhos são corolas, os longos braços em arco terminam em pontas de seta, como em gigantesco abraçar de Universo; a cabeleira em «semicírculos pegados… E aquele ali? Não está o maroto a rir-se de todos nós?
Um nome, um símbolo
A Revista de Turismo inclui, no seu nº 94 (Janeiro de 1951), uma extensa reportagem sobre este «grande melhoramento», recentemente inaugurado, «no seu género um dos melhores da Europa», obra de Manuel António da Cruz e do Dr. João da Cruz.
Aliás, é curioso saber das razões que levaram a baptizar com esse nome o empreendimento:
– a primeira é porque ele se situa no cruzamento de três freguesias: Estoril, Cascais e Alcabideche;
– a segunda, porque se encontra sob o ponto onde os aviões se encaminham para os seus rumos mundiais;
– a terceira, por os seus promotores serem Cruz de apelido.
O centro – com quarenta estabelecimentos previstos – incluía salão de fados, um rinque de patinagem «de dimensões internacionais», um mercado doado à municipalidade. Situavam-se, no primeiro andar, as lojas para senhoras: cabeleireiros, perfumarias, pelarias, institutos de beleza. Previa-se um cinema dotado «com a melhor e mais moderna máquina de projecção existente no País»; uma esplanada de 60 metros de fundo; dancings com palco para variedades e passagens de modelos, salões para banquetes, salas de jogo e um mirante completavam o conjunto.
Baldões
Uma vida, porém, aos altos e baixos. Hoje, nos dois andares de cima, no primeiro um amplo portão de grades interdita por completo o acesso; no último, tirando um bar e um restaurante (encerrado quando lá passei), as paredes olham-te mudas e tristes.
Do outro lado da rua, até o ‘Mirita Casimiro’ sonha, por vezes, em instalar-se ali. Outro sonho acalentei, em 1972, quando, com o apoio de Serra e Moura, então presidente da Junta de Turismo da Costa do Sol, um dos espaços albergou durante alguns meses a colecção de aves marinhas e peixes embalsamados que viria a constituir o embrião do Museu do Mar.
30-10-2002
Inserido no livro, de José d’Encarnação, Recantos de Cascais, CMC, Cascais, 2007, p. 275-278
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fotografia de abertura - o Centro Comercial Cruzeiro, no Monte Estoril [ 38° 42' 27.03" N / 9° 24' 14.50" W [ dados GE ] ] - do sítio internet Lugares Esquecidos, a quem agradecemos.
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